domingo, 6 de fevereiro de 2011

Lição 11

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A peça sobrecarregada 
 Saudações, amigos leitores desta pagina. Desculpem a demora em entregar-lhes esta lição. Porém já estou de novo com vocês, desde a Pátria de nosso Ilustre Libertador Simon Bolívar. 
LIÇÃO 11 - PEÇAS SOBRECARREGADAS 
Hoje vamos considerar o caso das peças sobrecarregadas, coisa muito freqüente no xadrez. Chamamos "peça sobrecarregada" aquela que por necessidades da partida realiza mais de uma missão ao mesmo tempo. Esta é uma situação que pode ser explorada com proveito. 
Diremos que quando uma peça cumpre um objetivo, cumpre uma só missão. Porem SE TEM QUE ATENDER A DOIS PONTOS AO MESMO TEMPO, É UMA PEÇA SOBRECARREGADA. Se um atendente de escritório deve atender ao telefone, escrever à maquina, levar os livros, etc., tudo ao mesmo tempo, é muito fácil que possa se confundir e cometer algum engano. O mesmo ocorre no xadrez com uma peça sobrecarregada, porém aqui a coisa se complica. E quando o adversário sabe aproveitar essas circunstâncias, pode decidir a partida. Há nas partidas detalhes aparentemente sem importância, que podem dar lugar ao ganho ou a perda do jogo. A partida que lhes trago dará uma idéia de como se deve proceder quando existir uma peça sobrecarregada. 
Foi jogada entre os mestres Jose Raul Capablanca, ex- campeão do mundo, e Gilg. Como toda partida moderna, foi jogado um gambito de dama. Já dissemos em lições anteriores e repetimos que ao jogar a abertura com o peão de d4 e porque as brancas desejam um jogo posicional.
BRANCAS: J. R. CAPABLANCA 
NEGRAS: GILG
Gambito de dama


1.d4 d5 2.c4

Este lance tem sido jogado faz muitos anos. O mesmo fez Capablanca em muitas ocasiões quando queria jogar o Gambito da Dama. Na realidade, este lance e 2.Cf3 são os melhores de que dispõe o branco. E 2.c4 é lógico e correto. Porém, em minha opinião pessoal, deve-se dar preferência a 2. Cf3, principalmente os menos experientes. 
A razão é que o Gambito da Dama encerra uma série imensa de detalhes posicionais que os novos não conhecem. Com 2.Cf3, restringe-se as jogadas do negro, ao dominar a casa e5. Desta forma, o negro se vê obrigado a "entrar" no Gambito da dama. 
Façamos uma digressão e vejamos o que aconteceria se as brancas tivessem jogado: 1. d4 Cf6 2.c4. Aqui as negras podem jogar o Gambito Budapeste, que não é bom, porem é necessário conhecê-lo, pois do contrário pode-se ter surpresas desagradáveis, além de ceder a iniciativa às negras. O Gambito Budapeste consiste em jogar 2.. .e5 e se 3.dxe5 então 3...Cg4 atacando o peão e ameaçando uma série de coisas que requerem muito espaço para explicar. Já dissemos que o Gambito Budapeste é inferior, porém aquele que não o conhece pode perder facilmente. Se as brancas tivessem jogado 2.Cf3, já não seria possível jogar este gambito porque a 2... e5 3.Cxe5. E por que devemos dar esta oportunidade se podemos evitá-la? Gilk jogou:

2...e6

O correto.

3.Cf3

Já vimos como se podem alternar as jogadas e estar na mesma posição, porém procedendo de outra maneira se evita entrar em variantes desconhecidas. ({Agora também se pode jogar:} 3.Cc3 porém então damos opção as negras para que elejam uma espécie de Defesa Nimzowitsch que consiste em 3...Bb4 cravando este cavalo. Portanto é melhor 3.Cf3, já que se agora Bb5+ segue-se 4. Bd2, segundo preconizava Bogoljubow.)

3...Cf6 4.Bg5 Be7

Saindo da cravada.

5.e3 Cbd7

Onde se deve jogar o cavalo dama branco? Vemos que até agora Capablanca se reservou o direito de tirá-lo por c3 ou por d2. É um pouco melhor Cc3 porque dali domina as casas e4 e d5 que estão em disputa. Com Cd2 domina-se somente o ponto e4, ainda que exista a possibilidade de retomar em c4 com este cavalo, caso o negro mais adiante jogue dxc4. E então sim, os dois cavalos pressionariam fortemente. Convenhamos que Cd2 "pode ser jogado" porém é mais correto Cc3. Capablanca especula com o fato de Gilg não ser um mestre de relevo e trata de desorientá-lo. Claro que contra Alekhine, por exemplo, teria feito 6.Cc3

6.Cbd2 h6

As negras "convidam" o bispo de g5 a que se defina. Aqui só há três jogadas a analisar: Bxf6, Bh4 ou Bf4. Descartemos a primeira porque: EM TODAS AS POSIÇÕES EM QUE SE POSSA CONSERVAR OS BISPOS, NÃO HÁ RAZÃO PARA TROCÁ-LOS PELOS CAVALOS. Restam a considerar as outras duas e, para isso, há uma regra. NA ABERTURA PEÃO DAMA (e especialmente para esta posição), QUANDO O BISPO BRANCO COLOCADO EM g5 É "PROVOCADO" COM O PEÃO EM h6; SE O NEGRO JÁ ESTÁ ROCADO, DEVE-SE RETIRAR O BISPO A f4, E SE NÃO ESTÁ DEVE-SE RETIRÁ-LO A h4. A razão é que, se o negro não está rocado, o bispo desde h4 continua cravando o cavalo, já que o negro pode optar por não rocar, ou pode fazer o roque grande. 
Entretanto, se as negras estão rocadas, por exemplo 6...O-O e logo 7... h6, sabemos que o roque curto está forte porque existe um cavalo em f6 que defende a casa h7 e que, caso o bispo tome este cavalo, o outro se colocaria na mesma casa (ou mais adiante em f8). Convém nestes casos jogar o bispo a f4 porque dali pressiona a casa fraca c7, defendida unicamente pela dama, que logo se poderá explorar levando a torre de a1 para c1 e abrindo a coluna com cxd5. Com 6...h6, o negro não mostra seu jogo e "obriga" o bispo a ir para h4.

7.Bh4 O-O

Agora sim, rocam as negras. Se as brancas desejam neste momento tomar a diagonal para pressionar na casa c7, devem perder um tempo ao levar seu bispo a g3.

8.Tc1 c5

Este movimento é arriscado. ({Seria melhor} 8...c6 defendendo indiretamente a casa c7, mas este contra-gambito é jogado regularmente.)

9.cxd5

E também existe uma espécie de regra fixa. NO GAMBITO DE DAMA, CONTRA c5 DAS NEGRAS, EM 99% DOS CASOS, O MELHOR É TOMAR O PEÃO DAMA. Recordem sempre que se lhes apresente esta situação, o primeiro a considerar é isso. A razão é que, tomando cxd5, as negras se vêem quase obrigadas a jogar com um peão central isolado, diante do qual se pode instalar um cavalo. Capablanca o tomou, porém nesta partida, devido ao fato de que as brancas tem seu cavalo dama em d2, em lugar de estar em c3, as negras têm a alternativa de retomar com cavalo ou com peão. E preferem fazÊ-lo com o cavalo para não deixar o peão isolado de que falamos. Ademais, ameaça duas vezes o bispo branco de h4.

9...Cxd5

A brancas devem optar pela troca de bispos ou pela retirada. Preferem levá-lo a g3 para tomar a diagonal que domina a casa c7, que também estará dominada pela torre de c1, quando desapareça o peão dessa coluna.

10.Bg3 b6

Busca fiancheto de dama.

11.Bd3 cxd4

A negras colocam o mesmo problema: com que devem as brancas tomar esse peão? O correto é tomar com cavalo. Porque do contrário ficara um peão central isolado, diante do qual já está um cavalo, que pode ser apoiado pelo outro cavalo desde f6. Porém Capablanca sabe com quem joga. E sabe o que representa um peão isolado. Nesta partida, interessa-lhe mais ter possibilidades do que ter segurança. Claro que contra Alekhine (por exemplo) não faria 12 exd4, porém Gilg não é Alekhine. 
Sabemos que os peões isolados tÊm suas vantagem e suas desvantagens e que, jogando bem, cedo ou tarde devem cair por falta de um peão lateral que os sustente. Mas tem a seu favor o fato de permitirem a atuação forte das torres nas colunas adjacentes (neste caso, coluna do rei e do bispo dama); e que dominam duas casas importantes (que seriam e5 e c5) Por tais razoes Capablanca jogou:

12.exd4 Bb7 13.O-O C7f6 14.Te1

Toma a linha.

14...Tc8

Disputa.

15.Txc8 Dxc8


Aparentemente, com isto as negras dominam a coluna bispo dama, porem não é assim. Observemos que todas as casas da linha, menos a de c6, estão dominadas por peças brancas. Ademais, OS PONTOS MAIS FRACOS DE UMA COLUNA DOMINADA SÃO AS CASAS SÉTIMA E OITAVA que, neste caso, estão defendidas pela dama branca.

16.Ce5

Agora as brancas dominam todas as casas da coluna bispo dama, ao mesmo tempo que ocupam um dos pontos fortes que o peão isolado sustenta. As negras compreendem isso e tiram sua dama dessa coluna, ameaçando também Cb4.

16...Dd8 17.a3

Evita o salto de cavalo.

17...a6

Impede 18.Bb5 e trata de fazer b4 e Cb3.

18.Cb3 Bd6

({se} 18...b5 19.Cc5 etc.)

{Observemos que a esta altura o negro não tem chances, nem planos a realizar, nem peça ativa. Pouco a pouco, Capablanca irá amarrando o negro.} 

19.De2 a5 20.Cd2

Para entrar por e4 ou c4.

20...De7

Este último lance é criticável porque põe a dama na coluna onde está uma torre e, a partir de agora, ficará sob sua pressão indireta. Ate aqui, vimos uma série de jogadas simples por parte do branco, sem ameaças de mate, sem sacrifícios brilhantes, sem combinações audazes e, o entanto, as negras estão completamente restringidas, enquanto as brancas dispõem de espaço para mover-se a seu gosto. Essas "simplicidades" são próprias de Capablanca. Agora começa a trabalhar.

21.Bb1

Para que? Quem lembrar das lições anteriores o saberá: para montar a máquina. Já dissemos que a maquina é algo simples, porém uma arma de dois fios: ofensiva e defensiva.

21...Tc8 22.Dd3

Já está montada a maquina, mas por agora não há ameaça de mate, porque o cavalo de f6 defende sua casa h7 e, caso se mate este cavalo, ainda restará o outro. O segredo consiste, pois, em ir eliminando as defesas do roque negro. E já vamos chegando ao tema desta classe. A dama negra tem a dupla missão de defender o roque e seu bispo de d6 de um ataque de surpresa. Convém, pois, aliviá-la da dupla tarefa e, por isso, fazem:

22...Bb8 23.f4


Para que? para seguir avançando-o e limpar a coluna na qual a dama negra sofre a pressão indireta da torre.

23...Df8

As negras advertem o perigo e retiram sua dama. De qualquer maneira, já não é suficiente para defender-se. Chegamos ao assunto desta classe: as peças sobrecarregadas. Observemos que o cavalo negro de f6 tem uma dupla missão: defende o mate em h7 e a casa d7. Capablanca aproveita essa situação para fazer:

24.Cd7!

é claro que não se pode jogar 24....Cxd7 porque segue 25.Dh7++. Não resta mais remédio, a não ser mover a dama. Não faz muita diferença levá-la a e8, e2 ou d1.

24...De8

Colocando-se outra vez sob o fogo da torre branca.

25.Cxb8 Txb8 26.f5

Aproveitando a circunstância de estar a torre negra na diagonal do bispo de g3 e a dama negra na coluna da torre, as brancas avançam seu peão.

26...Td8 27.Cf3

Ameaça-se levar este cavalo a e5. A posição do negro vai piorando.

27...Bc8

Boa, porém tardia;

28.fxe6 Bxe6 29.Ce5 Df8


Novamente a dama negra trata de escapar da pressão da torre. E outra vez entra o tema das peças sobrecarregadas: o peão de f7 tem o duplo fim de apoiar o bispo e defender a casa g6. Está sobrecarregado. Como não pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo, Capablanca joga:

30.Cg6

Ataca a dama.

30...De8

({se} 30...fxg6 segue 31.Txe6 etc. ficando muito comprometida a posição negra.)

{E se não toma, onde vai a dama? Outra vez a colocar-se sob fogo da torre.} 

31.Cf4

Ameaça Cxe6. Como este cavalo é bastante molesto, as negras decidem trocá-lo. Vemos que até aqui as negras se defenderam sumamente bem, porém não é suficiente porque QUANDO A POSIÇÃO É TÃO SUPERIOR E SE TEM A INICIATIVA, SEMPRE HÁ JOGADAS PARA SEGUIR PRESSIONANDO AO CONTRÁRIO.

31...Cxf4 32.Bxf4 Dd7

Por fim a dama escapa da pressão da torre, ao mesmo tempo que ameaça o peão isolado, que Capablanca quis ter assim.

33.Be5

Defende-se ameaça Bxf6, entrando logo com a dama em h7. Não se pode jogar 33.....g6, evitando a entrada, porque segue Bxf6 e as negras perdem o cavalo. Diante de tal situação, o que pode fazer o rei negro? Escapar! Que é o que fazem todos os reis na guerra.

33...Rf8 34.h3

Ar.

34...Ce8 35.Dh7 f6

Denota inferioridade.

36.Dh8+ Re7

Seria um pouco melhor colocar o rei em f7. Como o branco tem tempo, retira seu bispo ameaçado, para logo fazer Bf5 ou Bh7, pressionando o bispo e o rei negro.

37.Bg3 Dd5

Trata de impedir as ameaças do bispo. ({Poderia ter jogado} 37...Dxd4+ porém 38.Bf2 38.Bf2 era muito forte, podendo fazer cair o peão de b6.)

{Observemos que o cavalo negro sustenta a base de toda a defesa: o peão em g7. Logo, trata-se de eliminé-lo.} 

38.Bg6

E as negras abandonam. É evidente que não se pode evitar a troca deste bispo pelo cavalo. E depois de 39.Bxe8, o branco tem a sua disposição todos os peões do flanco rei. É simples, porém decisivo. Por isso abandonam as negras. 

COMENTÁRIO: 

A peça SOBRECARREGADA EXISTE EM TODAS AS PARTIDAS DE XADREZ. Aquele que saiba aplicar os ensinamentos desta lição vai conseguir ganhar muitas partidas. Porém não creiam que é uma coisa tão fácil. Há que pensar muito bem e descobrir a debilidade que se produz quando uma peça está sobrecarregada. 
Bom, prezados leitores, finalizamos esta lição e, como sempre, minha eterna gratidão pelo interesse demonstrado pelas mesmas. Até breve. 

  1-0

TRANSCRIÇÃO feita pelo Professor ERICH GONZALEZ, da Cidade de Maracaibo, estado Zulia. Venezuela LIÇÕES DO Dr. RAFAEL BESANDON, BASEADOS EM APONTAMENTOS TOMADOS PELO ALUNO ERNESTO CARRANZA.
Prof.: Erich Gonzalez e - mail: edgonzal@luz.ve
Os diagramas desta página foram feitos com o programa Chesstool 
de Guillermo Gajate.

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