terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Lição 19 - O domínio da coluna Bispo Dama

                
Estimados amigos enxadristas leitores desta página. Muito obrigado por seus e-mails. Continuemos com as lições e obrigado por suas opiniões sobre Maestro-Aficionado. 
LIÇÃO 19: O DOMÍNIO DA COLUNA DO BISPO DAMA. 
Vimos em uma lição passada (Lição 17) a importância que tinha o domínio da coluna da dama. Hoje seguiremos estudando o domínio, porém da coluna bispo dama, que é mais importante, dado que resulta difícil que se abra a coluna da dama, enquanto que é muito mais fácil que se possa abrir a coluna bispo dama (c1 - c8). 
Quando a coluna da dama se abre, já sabemos que o melhor é tomá-la com uma torre, e se fosse possível, dobrar ali as duas torres. Para a coluna de bispo dama se procede da mesma maneira. 
Hoje veremos um caso especial. Trata-se de uma partida do torneio de Barcelona, jogada entre o ex-campeão mundial José Raúl Capablanca e o mestre Colle. É uma partida linda, nítida e precisa, como são a maioria das partidas de Capablanca. O grande mestre Cubano tinha essa precisão para escolher, dentre várias jogadas a realizar, a mais simples, a mais clara e a que lhe dava maior vantagem posicional. Estudando suas partidas, pode-se aprender muitas coisas. 
Na partida de hoje, veremos que Capablanca observa, desde os primeiros movimentos, que se abrirá a coluna bispo dama (c1 - c8) e a toma, domina-a, e apenas isso lhe dá a superioridade que decide a partida com bastante rapidez e simplicidade. 
Nesta partida, foi jogada a Abertura Inglesa. Antes de seguir adiante, vamos dizer que essa abertura tem por objeto transformar a posição em uma espécie de Defesa Siciliana -porém com as brancas. Rapidamente compreendemos que se a Defesa Siciliana é factível de ser jogada com as negras, com maior razão se poderá jogar com as brancas, que levam um tempo de vantagem. Se é boa para as negras, também o será para as brancas, e muito mais por um detalhe que em seguida veremos. 
A Defesa Siciliana consiste em: 1.e4,c5. 2.Cf3,Cc6. 3.d4,cxd4. 4.Cxd4 e então as negras estão forçadas a jogar: 4....Cf6, e não 4...d6 que seria a lógica, porque se fizessem esta última as brancas aproveitariam esse tempo para responder 5.c4!, dominado o ponto d5, o que será muito forte. Como disse, as negras devem jogar 4....Cf6 e as brancas, para defender seu peão de rei, deverão fazer 5.Cc3 com o que impedem o avanço do peão do bispo dama, que seria uma jogada ideal. 
Na abertura inglesa, como as brancas levam um tempo a mais, podem ter suas peças na mesma posição que as negras na Defesa Siciliana, porém dando-se ao luxo de ter seu peão do bispo dama na quarta casa (c4), com o que controlam o ponto d5. Ademais, com o primeiro movimento da Abertura Inglesa, as brancas não mostram seu plano, dado que podem escolher vários caminhos, e entre outros podem escolher por jogar um vulgar Gambito de Dama.
ABERTURA INGLESA 
BRANCAS: J. R. CAPABLANCA 
NEGRAS: COLLE

1.c4 Cf6 
Tampouco mostra seu plano.

2.Cf3 c5 
Escolhe a simetria.

3.Cc3 Cc6 
Continua a simetria.

4.d4 
Provoca a troca de peões e ameaça d5. Caso se troque os peões, se produz o mesmo que na Siciliana, porém com um tempo a mais. Assim foi:

4...cxd4 5.Cxd4 
E já temos a mesma posição que na Defesa Siciliana, porém com a diferença muito importante de que as brancas fizeram c5, jogada de Maroczy.

5...Cxd4 
Jogada arriscada. Sabemos que nesta mesma posição da Defesa Siciliana não é conveniente trocar os cavalos porque as brancas retomam com a dama e ficam em uma boa posição central. Observem que não digo "centralizada" porque pode ser expulsa dali. Não obstante, a dama permanecerá longo tempo nessa posição central. Quando existe o Cavalo Dama negro colocado, a dama contrária no centro é uma jogada fraca, porém agora não. Essa dama estará muito bem ali e permite contra-chances e combinações.
 Convenhamos que para tirar esse cavalo do meio do tabuleiro tampouco teria sido bom: 5...e5 devido a 6.Cdb5 e se 6...a6 7.Cd6+ Bxd6 8.Dxd6. Não vale a pena efetuar esta troca porque o negro deixará de controlar as casas negras, o que pode ser devidamente aproveitado pelo rival, que possui o bispo dessa cor. Por isso Colle preferiu trocar os cavalos e logo tentar desalojar a dama do centro com um fiancheto de rei.

6.Dxd4 g6 7.e4
Vemos que o branco domina com 4 peças a casa d5, pelo que será difícil tirar-lhe essa posição. Isso, nas mãos de Capablanca tem que dar seu fruto.

7...d6 
Era necessário para impedir e5. A abertura Inglesa leva a uma posição exatamente igual a da Defesa Siciliana, portanto o plano a seguir é o mesmo; os movimentos são os mesmas:

8.Be3 Bg7 
O cavalo negro poderia saltar (mais adiante) a g4. Por conseguinte, trata-se de impedir esse salto com outra jogada que também se faz na Siciliana:

9.f3 Da5 
Crava o cavalo.

10.Dd2 
Descrava.

10...a6 
Capablanca se "ganhou saúde" ao tirar sua dama da ameaça indireta do bispo fianchetado, ao mesmo tempo em que, com seu bispo, domina a diagonal que vai até h6, e caso se veja apurado tratará de trocar os bispos nessa casa. 
Talvez as negras fizessem melhor se tivessem jogado: 10...0-0 porém preferiram evitar um possível salto de cavalo a b5, forçando a trocar as damas, para logo dar um "duplo" no rei e na torre de c7.

11.Be2 Be6 
Isto se vê em outras partidas com a Defesa Siciliana, quando o outro bispo se desenvolve por fiancheto.

12.Tc1! 
Aqui já se vê a idéia de Capablanca, que tem a intenção de abrir a coluna bispo dama (c1 - c8), e desde já prepara sua ocupação. Por que razão supõe que se abrirá essa linha? Vejamos: se o negro roca (e deve ser roque pequeno somente) como logo o fará (e o branco imitará), vai deixar um ponto sem defesa: o peão de e7, e então com um salto de cavalo a d5 se propõe a troca de damas ao mesmo tempo em que se ameaça esse peão. Se o cavalo ou o bispo negro tomam esse cavalo, retoma-se com o peão de c5, abrindo-se a coluna e a torre que está em c1 "começa a funcionar". Por isso, colocar a torre dama em d1 seria um contra-senso porque essa coluna permanecerá fechada por um longo tempo. Ademais, ao mover a torre se sai de uma possível ameaça do bispo fianchetado. A idéia de mover a torre não só é preventiva, senão também curativa.

12...Tc8
Ataca o peão de c5 e disputará a coluna.

13.b3 
Defende o peão de c5.

13...Cd7 
Ameaça duplamente o cavalo. O branco joga tranqüilamente.

14.0-0 0-0 
E já temos a posição que Capablanca havia previsto, com a debilidade da casa e7. Não deve perder-se a oportunidade de fazer:

15.Cd5! 
E não deve perder-se essa oportunidade por varias razões: primeiro: Porque colocamos o cavalo em uma posição central. Segundo: Porque se apossa de um ponto forte como é a casa d5. Terceiro: Porque pressiona um ponto fraco do contrário, que é o peão de e7. Quarto: Porque se as negras trocam a dama, ganha-se um peão (15....Dxd2. 16.Cxe7+,Rh7 e 17.Bxd2). Quinto: Porque se a dama se retira e logo as negras fazem Bxd5, se haverá ganho na troca, uma vez que se abrirá a coluna bispo dama, que o branco se propôs a dominar. 
Capablanca, com essa simplicidade característica, vê a pequena vantagem e trata de explorá-la. Entre parênteses direi que, a meu juízo, é a melhor maneira de se jogar porque não se arrisca nada, o que significa que, no pior dos casos, pode-se conseguir o empate. E se o contrário começa a fazer jogadas duvidosas, então "se lhe corta a cabeça". A única jogada "possível" do negro é:

15...Dd8
Defende tudo. Vemos também como um ponto forte (a casa d5 que o branco controla claramente) obrigou o adversário a perder dois tempos com a dama. Novamente Capablanca observa que seu rival tem outro ponto fraco: o peão de b7, e se lhe ocorre a jogada mais simples:

16.Db4 
Não se pode defender o peão, avançando-o, porque o branco o ganharia sempre. Tampouco se pode jogar Tc7 porque o cavalo domina essa casa. Nem é possível Tb1 por Ba7, etc. Nem serve Cc5 por Bxc5, etc. E em todas as variantes as brancas ganham o peão. Não sendo possível a "defesa direta", há que fazer uma jogada indireta, como poderia ser "matar" um dos dois atacantes.

16...Bxd5 17.cxd5 
Foi aberta a coluna do bispo dama (c1 - c8), tema desta lição. Veremos como Capablanca a explora.

17...Txc1 18.Txc1 Db8 
Por fim as negras podem sustentar seu peão de b7, enquanto vigiam a casa c7, principal objetivo da torre branca. 
As trocas que acabamos de ver foram obrigados para poder defender o peão atacado, porém com isso as brancas conseguiram dominar a coluna bispo dama (c1 - c8). Em realidade, ainda não a dominam de todo porque não controlam as casas principais (sétima e oitava) e porque o negro está ameaçando 19.Tc8, forçando a troca de torres. QUANDO JÁ SE TROCOU UMA DAS TORRES E O CONTRÁRIO AMEAÇA TROCAR A OUTRA, HÁ UMA FORMA DE EVITÁ-LO E FICAR COM O DOMÍNIO DA COLUNA ABERTA: COLOCA-SE A DAMA COMO SE FOSSE OUTRA TORRE. Assim se faz:

19.Dc4 
A coluna já ficou em poder do branco. O que se ganha com isso? O domínio da sétima casa, que seu rival não poderá controlar mais, pelo que se ameaça: 20.Dc7,Dxc7 e 21.Txc7, ganhando, no mínimo, um peão e colocando a torre em sua posição ideal. 
Se agora respondessem: 19.....Cc5, 20.Bxc5,dxc5 e 21.Dxc5, com o ganho de um peão e a mesma ameaça explicada. Restariam bispos de cores opostas, o que daria ao negro uma remota possibilidade de empate, ainda que nem tanta como a gente vulgarmente acredita. 
As negras fazem agora uma jogada inocente, dessa que jogam os noviços quando não sabem o que fazer:

19...Bb2 
Ataca a torre.

20.Tc2 
Contra-ataca.

20...Bf6 
O bispo negro teve que se retirar e preferiu ir para onde defenderá um de seus pontos fracos: o peão de e7. Percebe-se que o negro poderia jogar Ce5, que mesmo não estando "centralizado", porque logo o peão o expulsaria, poderia apoderar-se de casas fortes. O branco lhe tira essa possibilidade.

21.f4 Td8
As negras não sabem o que fazer. Essa jogada não tem objetivo. Vemos novamente como o branco, sem haver ganho nada, sem haver ameaçado mate, sem fazer sacrifícios, sem combinações brilhantes, nem nada do estilo, pouco a pouco vai encurralando seu adversário. É QUE AS PARTIDAS DE CAPABLANCA SÃO DE UMA SIMPLICIDADE "APLASTANTE". 
Agora buscará a troca de damas, que seu rival não pode aceitar, porque a torre entra na sétima linha.

22.Dc7 Da8 
Triste posição para uma dama! Havendo no tabuleiro tantas boas casas para colocar eficientemente uma dama, esta pobre peça negra teve que confinar-se em um rincão, sem esperanças de intervir no curso da luta. 
Bem, as negras aparentemente não estão em tão má posição. Tem tudo defendido, cada uma de suas peças está apoiada por outra e, em verdade, resulta difícil continuar o ataque. O que se poderia fazer? Há que pensar e ser engenhoso. 
Por exemplo: o cavalo negro tem seus saltos para frente controlados e está defendido só pela torre e atacado pela dama. Se o atacássemos outra vez, teria que se retirar para a casa f8, dando lugar ao avanço e5. E se dxe5 segue fxd5, o bispo negro sai e cai o peão de e7, que continua sendo o ponto vulnerável das negras. A jogada é:

23.Bg4 Cc5 
O negro se decide. Perde um peão, mas busca um final com bispos de cores opostas. Pode-se fazer 24.Bxc5, dxc5 e 25.Dxc5, ganhando um peão, porém Capablanca não se iludo. Raciocina: o cavalo está sustentado somente por seu peão de d7. Quer dizer que se avançássemos o peão de e4 a e5, este não poderia ser tomado (porque cai o cavalo) e então o bispo negro deverá retroceder porque se vai a h4 pode-se fazer tranqüilamente g3. Se o bispo vai para trás, perde-se o peão de e7, que como vemos está condenado a morrer. E sempre haverá tempo para jogar Bxc5 ganhando outro peão.

24.e5 Bg7 25.Dxe7 
O negro está atado. Se move a torre, desaparece a defesa do peão de d6, que sustenta o cavalo; este pouco pode fazer; sua dama está confinada em um rincão; seu bispo não tem lance útil; enfim, suas peças estão "embotelladas". Diante de tal situação, trata de ganhar espaço, expulsando um dos atacantes.

25...h5 
O bispo poderia se retirar porque a partida está decidida. Com um peão de vantagem e o par de bispos, as brancas tem a vitória em suas mão. Porém ERA ELEGANTE A FORMA COMO CAPABLANCA ARREMATAVA SUAS PARTIDAS: 

26.e6 
Entrega o bispo, porém calculou toda a continuação. Porque se as negras tomam o bispo, abrem a coluna da torre (h1 - h8), que será de suma importância. E se tomam 26.fxe6, as contestações são claras. Nesse dilema, o negro se decide a "morrer com a barriga cheia" e joga.

26...hxg4 27.exf7+ Rh7 28.Dh4+ Bh6 
Forçado.

29.f5 g5 
Novamente forçado. Se 29...gxf5 30.Dxh6#.

30.Bxg5 Rg7 31.Dxh6+ e as negras abandonam. 
Em todas as continuações há mate. Se 31...Rxf7 (única) 32.Dh7+ Re8 [ Se 32...Rf8 33.Bh6+ Re8 34.Te2+ Ce6 35.Txe6#] 33.De7# 
EM RESUMO: MANTER O DOMÍNIO DA COLUNA BISPO DAMA (c1 - c8) É DE SUMA IMPORTÂNCIA. Vimos claramente as vantagens que se pode obter sabendo explorar essa coluna. 
Muitos leitores desta página me pedem partidas dos jogadores ativos do momento e eu lhes mostro partidas de Alekine e de Capablanca porque, apesar de que agora os jogadores tem desenvolvida uma alta técnica enxadrista graças à tecnologia moderna, as partidas de Capablanca, Nimzovitsch, Euwe, Bogoljubow, Alekine. etc., ensinam. 
Digo-lhes, aquele que sabe desentranhar a rameira "pesca" coisas muito lindas em suas partidas. Vocês vêem como seus sistemas são simples, e isso é o bom e o difícil nas partidas de xadrez. 
Bem, prezados leitores, finalizamos esta lição. Agora está pendente a segunda partida Maestro Vs Aficionado. E de novo lhes digo: viva a Revolução Bolivariana de meu País, Venezuela. Até breve.
Prof. Erich González 
E-mail: edgonzal@luz.ve 
TRANSCRIÇÃO Pelo Professor ERICH GONZALEZ, na Cidade de Maracaibo, Estado Zulia, Venezuela, das LIÇÕES DO Dr RAFAEL BENSADÓN, EM APONTAMENTOS TOMADOS PELO ALUNO ERNESTO CARRANZA. 
(Tradução: Anderson de Jesus)
Os diagramas desta página foram feitos com o programa Chesstool 
de Guillermo Gajate.

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