TRANSCRIÇÃO pelo Professor ERICH GONZALEZ, na cidade de Maracaibo, Estado Zulia, Venezuela. LIÇÕES DO Dr RAFAEL BENSADON EM APONTAMENTOS TOMADOS PELO ALUNO ERNESTO CARRANZA.
LIÇÃO 6 - O PEÃO DOBRADO
Estimados leitores desta página. Minha gratidão pelo interesse demonstrado por estas lições e meu agradecimentos por sua motivação de continuar com as mesmas.
LIÇÃO 6 - PRÓS E CONTRAS DO PEÃO DO BISPO DA DAMA DOBRADO.
Vamos tratar, hoje, de um caso muito comum em muitas partidas: O PEÃO DOBRADO. Ocorre que quem tem o peão dobrado não sabe como se desfazer dele e o contrário não sabe como fazer valer essa vantagem conseguida. Porque não há dúvida de que é uma desvantagem possuir peões dobrados e aquele que os tenha fará bem se conseguir se livrar deles. Apressemo-nos em dizer que: A ESTRATÉGIA DOS PEÕES É A PARTE MAIS IMPORTANTE DO XADREZ. E vamos demonstrá-lo.
Quando falamos de bispo "mau" e de bispo "bom", em que nos baseamos? Na posição dos peões sobre o tabuleiro. Quando falamos de posições "fechadas" ou "abertas", que dão maior ou menor valor ao cavalo, em que radica a diferença? Na colocação dos peões. Quando uma torre se valoriza ao tomar uma coluna aberta, a que se deve? Ao desaparecimento dos peões nesta mesma coluna. Como vemos, o maior ou menor "valor" das demais peças gira em torno da situação dos peões no tabuleiro. O PEÃO É O ESQUELETO DA PARTIDA, O PILAR DA CONSTRUÇÃO. Se este esqueleto é frouxo, a partida vem abaixo.
Hoje estudaremos o caso mais vulgar: quando se dobra um peão na linha do bispo da dama "linha c". É muito comum que um bispo tome o cavalo "cravado"na casa "c3"', dando xeque, o que obriga a retomar com o peão de "b2" e já temos a posição de peões dobrados na coluna "c". É evidente que não só existe uma vantagem pelo peão dobrado, senão que em tais casos o peão da coluna "a" fica isolado e fraco. E já são duas coisas a explorar. Esta é uma posição clássica, que se repete com muita freqüência. Diremos que ainda quando o peão da dama esteja em sua casa inicial, se o bispo toma o cavalo em "c3" quase sempre há que retomar com o peão mais afastado do centro.
Veremos agora quando isto é bom e quando é mau. Para sabê-lo, há que raciocinar sobre um pequeno quadrado, dentro do qual estejam compreendidos esses peões. Quase sempre o quadrado mencionado está formado pelas casas c2 - c3 - d2 e d3. Se o peão que está ao lado dos dobrados (neste caso, o peão da dama) se encontra dentro do quadrado, a posição dos peões é forte; não representa maior desvantagem (ex. c2 - c3- d3). Porém, quando um dos peões tenha saído do quadrado, a posição é fraca. E esta debilidade está precisamente na casa que fica adiante do peão dobrado. Com os peões dentro do quadrado, vigia-se esta casa e se impede que uma peça possa se instalar ali. Se algum peão está fora do quadrado e um cavalo contrário se coloca diante do peão dobrado, resulta pouco menos que impossível desalojá-lo, pois haverá que se utilizar do recurso de trocá-lo por um bispo, o que "não é negócio".
Às vezes, pode dar-se o caso de que o peão da dama esteja fora do quadrado (por exemplo: em c4), porém existe a possibilidade de formar o quadrado mais acima (casas c3 - c4 - d3 e d4). Conseguindo-se isso, a posição dos peões segue sendo forte. Do mesmo modo, o quadrado poderia se formar mais adiante, porém não esqueçamos que QUANTO MAIS ADIANTADOS ESTEJAM OS PEÕES, MAIS DIFÍCIL SERÁ FORMÁ-LOS "EM QUADRO".
Há outros casos de peões dobrados, especialmente os peões centrais e o peão do bispo do rei (peão de f), que estudaremos outro dia. Quem tem peões dobrados deve tratar por todos os meios de desfazer-se deles, o que não é fácil se o adversário sabe jogar. QUANDO OS PEÕES DOBRADOS ESTÃO ISOLADOS, SUA POSIÇÃO É SUMAMENTE FRACA E INSUSTENTÁVEL. Vamos reproduzir uma "partida exemplar", jogada entre dois eternos rivais: Capablanca e Alekhine, no torneio de Nova York de 1924.
BRANCAS: Capablanca
NEGRAS: Alekine
Defesa Francesa, por transposição.
BRANCAS: Capablanca
NEGRAS: Alekine
Defesa Francesa, por transposição.
1.d4 e6
Quase sempre que Alekhine jogava com Capablanca fazia este "convite" para jogar uma Defesa Francesa. E Capablanca o aceitava.
2.e4 d5 3.Cc3
2.e4 d5 3.Cc3
Hoje está mais em moda jogar: 3.Cd2 desde que Keres a implantou. Possivelmente, a razão está em que este lance permite desenvolver-se mais o branco e resulta mais eficaz.
3...Cf6
3...Cf6
Ataca o peão central.
4.Bg5
4.Bg5
"Crava".
4...Bb4
4...Bb4
"Crava" também.
5.exd5
5.exd5
Esta jogada põe a negras em um dilema: podem retomar o peão com a dama ou com o peão do rei. Se o tomam com o peão se produz uma partida que quase sempre é empate. Não seria bom 5.e5 devido a 5...h6 e se 6.Bh4 g5 7.Bg3 Ce4 8.Dd3 Bxc3+ 9.bxc3 dobrando o peão.
5...Dxd5 6.Bxf6
5...Dxd5 6.Bxf6
Não é muito conveniente "matar" o cavalo com o bispo, porém a dama negra ameaçava o bispo, que devia se retirar ou jogar Cf3 dando a iniciativa ao negro, que jogaria Ce4 ou Cc6, etc. Capablanca optou por dobrar um peão na coluna "f", mas as negras também podem fazer o mesmo na coluna "c" e não se fazem de rogada.
6...Bxc3+ 7.bxc3 gxf6
6...Bxc3+ 7.bxc3 gxf6
E já temos peões dobrados por ambos os lados. Uma pergunta: Qual dos dois tem seus peões em melhor posição? O negro, porque seus peões estão dentro do quadrado. Entretanto, observemos que o branco pode igualar, formando seu quadro um pouco mais acima, pondo o peão dobrado em "c4" e o outro em "c3", com o que fará o quadrado das casas c3 - d3 e d4. E isso será o que fará Capablanca, ainda que, por enquanto, não tenha pressa e seu primeiro movimento seja para evitar definitivamente o roque curto das negras.
8.Dd2 Cd7
8.Dd2 Cd7
O negro trata de levar este cavalo à casa "b6" para impedir o avanço do peão dobrado e para se instalar logo em "c4". Por isso, as brancas dever se apressar e jogam.
9.c4 De4+
9.c4 De4+
Para reconquistar o tempo perdido.
10.Ce2 Cb6
10.Ce2 Cb6
A partida gira em torno do peão dobrado branco. Este foi obrigado a jogar 10.Ce2, obstruindo a diagonal do bispo, e agora está ameaçado de perder o peão de "c4". Capablanca se defende indiretamente.
11.f3 Dc6
11.f3 Dc6
Continua a pressão sobre o peão dobrado "convidando-o" a avançar. JÁ SABEMOS QUE QUANTO MAIS AVANÇADOS ESTEJAM OS PEÕES, MAIS DIFÍCIL SERÁ FORMÁ-LOS EM QUADRADO.
12.c5 Cd5 13.c4
12.c5 Cd5 13.c4
Formou o quadrado! Capablanca, conhecedor da teoria que estamos expondo, aproveitou a última oportunidade que lhe restava para formar seu quadrado de casas c4 - c5 - d4 e d5. Agora seu peão dobrado é forte e muito mais porque está bem avançado em campo inimigo.
13...Ce7
13...Ce7
Única casa disponível.
14.Cc3 f5!?
14.Cc3 f5!?
O cavalo branco ameaçava se instalar em "e4", atacando o peão dobrado. Para impedir isso, Alekhine o avançou a "f5" desfazendo seu quadrado. Porém, que remédio restava? (Dos males, o menor). Além disso, poderá formar seu quadrado um pouco mais acima, avançando a "f6" o outro peão (casas f6 - f5 - e6- e e5).
15.Be2
15.Be2
Era necessário desenvolver o bispo do rei e o melhor era colocá-lo em "e2", ainda que talvez jogasse um pouco mais em "d3". Mas NAS ABERTURAS, NUNCA É CONVENIENTE COLOCAR UMA PEÇA QUE CORTE A AÇÃO DA DAMA SOBRE O PEÃO DA DAMA.
15...Tg8
15...Tg8
Pressiona o ponto débil e põe as brancas em uma encruzilhada. Não é possível rocar grande porque os peões deste flanco foram adiantados e o rei estaria desguarnecido. Resta-lhes rocar curto ou não rocar. Se rocam, põem o rei na mesma coluna da torre e, se não rocam, também estará o rei muito exposto. Ainda que seja muito perigoso, Capablanca opta por rocar, pensando que mais adiante levará seu rei a "h1".
16.0-0 Bd7
16.0-0 Bd7
Sua ação é muito restringida pela má colocação de seus peões.
17.De3
17.De3
Para quê? Para pressionar o rei negro e defender o peão dobrado através de seu peão dama. Também prepara eventualmente "d5", forçando a desdobrar seus peões, já que a dama negra não tem muitas casas de escape.
17...b6
17...b6
Isto é uma confissão de inferioridade por parte do negro. Permite desdobrar os peões brancos e demonstra que se sente em apuros. Capablanca aproveitou para jogar:
18.Tfd1
18.Tfd1
Entrega um peão, como já veremos na partida, porém dobra outros peões negros e pressiona fortemente, reconquistando-o.
18...bxc5 19.d5 Db6 20.dxe6 Dxe6
18...bxc5 19.d5 Db6 20.dxe6 Dxe6
Era evidente que das três peças que podiam tomar o peão branco, a melhor era peão por peão (desdobrando), porém Alekhine anteviu o final e deseja trocar as damas a todo custo. O branco se opõe, como é lógico.
21.Dxc5
Recuperando o peão entregue e deixando o negro com seus peões dobrados na coluna bispo rei. O negro insiste em trocar as damas.
21...Db6 22.Df2
21...Db6 22.Df2
Já que não há mais como evitar a troca de damas, as brancas preferem que seja na casa "f2". Há várias razões: Primeiro, que em "b6" se uniriam os peões isolados do negro. Segundo, que o rei branco não pode escapar da coluna cavalo rei e poderia sair dali ganhando um tempo. Terceiro, que em alguns casos "c5" poderia impedir a troca das damas.
22...f4 23.Tab1 Dxf2+ 24.Rxf2
22...f4 23.Tab1 Dxf2+ 24.Rxf2
Façamos um balanço: As negras conseguiram seu objetivo ao trocar as damas, porém a quem favorece a posição? Não há vantagem "material" para nenhum lado. Entretanto, os peões dobrados do branco desapareceram, enquanto o negro tem dobrados seus peões na coluna do bispo do rei e, agora, sem possibilidades de fazer a formação em "quadrado" por haver desaparecido o peão do rei. E já dissemos que OS PEÕES DOBRADOS CAEM COMO FRUTA MADURA. É evidente, pois, que as negras estão em posição inferior. A que se deve esta diferença? A que o branco jogou seu peão dobrado na formação que hoje estamos tratando, enquanto o negro não observou esta regra com os seus. Só isso seria suficiente para deixa claramente estabelecido de que forma se deve jogar os peões dobrados. Porém, continuemos com a partida:
24...Bc6 25.Td4
24...Bc6 25.Td4
Ataca o peão dobrado.
25...Cg6
25...Cg6
Defende.
26.Bd3
26.Bd3
Ameaça B x g3 e logo T x f4.
26...Ch4
26...Ch4
Jogada ativa, que entrega o peão dobrado, porém ameaça tomar o peão de "g2" com xeque.
27.Bf1
Defendendo o peão em "g2".
27...Cg6
27...Cg6
O branco ganha um tempo.
28.Ce2 Re7 29.Te1 Tgb8
28.Ce2 Re7 29.Te1 Tgb8
Busca contra-chances.
30.Cxf4+
30.Cxf4+
Descoberto.
30...Rf8
30...Rf8
E caiu o peão dobrado! As brancas obtiveram, pois, vantagem material. Na realidade, para esta lição a partida terminou. Os jogadores que conduziam as peças, Capablanca e Alekine, são daqueles que sabiam o que faziam; de maneira que a diferença de material não pode ser atribuída a "trapalhadas", senão que a detalhes estratégicos. AS BRANCAS JOGARAM O PEÃO DOBRADO SEGUINDO A TEORIA DO QUADRADO, ENQUANTO QUE AS NEGRAS O FIZERAM APARTANDO-SE DELA.
Ficou, pois, demonstrado como se deve jogar com o peão do bispo da dama dobrado e, por contraste, vimos os maus resultados que traz o afastamento da regra. Entretanto, como a partida é muito interessante, seguiremos seu desenvolvimento sem maiores comentários.
31.Cxg6+?
Não há dúvida de que este é um erro de Capablanca. Com 31.Cd5 haveria ganho com relativa facilidade. E é um erro que une dois peões isolados do negro, ao mesmo tempo que os centraliza e elimina seu cavalo, que lhe seria muito útil neste final, onde teria um peão a mais e o negro quatro peões, todos isolados. Capablanca pensou que com o peão a mais deveria ganhar de qualquer forma. Por isso decidiu eliminar peças e este foi seu erro, porque EM FINAIS DE TORRES UM, OU MESMO DOIS, PEÕES A MAIS PODEM NÃO SER SUFICIENTES PARA GANHAR.
31...hxg6
31...hxg6
Unindo e centralizando.
32.Bd3 Tb2+ 33.Te2 Tab8 34.Be4?
32.Bd3 Tb2+ 33.Te2 Tab8 34.Be4?
Para trocar, porém é outro erro de Capablanca, pelo que veremos na continuação.
34...Txe2+ 35.Rxe2 Bxe4!
34...Txe2+ 35.Rxe2 Bxe4!
Aqui vemos o outro erro de Capablanca, explorado por Alekhine .
36.fxe4
36.fxe4
Desliga outro peão. Não se pede jogar 36.Txe4 porque 36...Tb2+ e o negro ganha o peão de "a2" ou o de "g2". Além disso, NOS FINAIS DE TORRES, CASO SE DEIXEM OS BISPOS, TORNAM-SE MUITO DIFÍCEIS E CONVÉM ELIMINÁ-LOS.
36...Re7 37.Td2
36...Re7 37.Td2
Evita xeques.
37...Re6 38.Re3 f6
37...Re6 38.Re3 f6
Espera.
39.h4? Th8 40.g3 Th5
39.h4? Th8 40.g3 Th5
Muito bem instalada; corta todo o jogo do branco.
41.Th2
41.Th2
Pretende "g4".
Ta5 42.Rf4 c6 43.Tc2 Te5 44.c5?
Ta5 42.Rf4 c6 43.Tc2 Te5 44.c5?
Corta a comunicação da torre negra; reduz sua mobilidade, porém escraviza a torre branca na defesa do peão, perdendo também mobilidade.
44...Th5 45.Tc3
44...Th5 45.Tc3
Espera.
45...a5
45...a5
Não há perigo.
46.Tc2
46.Tc2
Espera.
46...Te5 47.Tc3
46...Te5 47.Tc3
Espera.
47...Th5
47...Th5
E depois de várias jogadas, a partida foi declarada EMPATE.
Somente Alekhine pode salvar a diferença de material causada pela má condução de seu peão dobrado. Para isso, viu-se favorecido pelos erros de Capablanca nos lances 31.C x C + y 34. Ae4. Depois disso, as brancas não puderam forçar porque : OS FINAIS DE TORRES E PEÕES SÃO COMPLEXOS E TRAIÇOEIROS. Assim mesmo, sempre conservou um peão a mais.
RESUMO:
Já sabemos como se deve jogar os peões dobrados na coluna do bispo dama. Caso se consiga mantê-los numa formação "em quadro", não são fracos e podem se tornar fortes e pressionar no flanco dama do rival. TUDO CONSISTE EM QUE O PEÃO DAMA NÃO SAIA DO QUADRADO QUE HOJE ESTUDAMOS. PORQUE, CASO SAIA, DEIXA MUITO FRACA A CASA EXISTENTE DIANTE DO PEÃO DOBRADO E SERÁ MUITO DIFÍCIL DESALOJAR QUALQUER PEÇA ADVERSÁRIA QUE ALI SE INSTALE.
Bom, amigos leitores, esta foi a lição de hoje. Já teremos oportunidade de ver os casos do peão do bispo rei dobrado e dos peões centrais dobrados. Espero que aprendam muito desta lição. Até breve.
Profesor: Erich Gonzalez
e - mail: edgonzal@luz.ve.
(Tradução: Elias Muniz)
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