Bobby Fischer: Uma vida em 30 dias
(Extratos do Vol. 4 do livro 'Meus Grandes Predecessores'' de Garry Kasparov - Ed. Solis)
MGP - Vol. 4: Dos quatro matches que Fischer jogou em seu caminho para a coroa do xadrez, o confronto com Boris Spassky (Reykjavik, julho-setembro 1972) claramente figura à parte. Spassky era, afinal de contas, o Campeão Mundial vigente, e além disso, em contraste com Taimanov, Larsen e até mesmo Petrosian, sua maior força estava justamente nos matches. Além disso, ele tinha um escore de 3-0 (com dois empates) contra Fischer, o que lhe dava ainda mais confiança.
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Fischer se preparou muito seriamente para a batalha seguinte e quando era lembrado de seu resultado negativo, ele cuidadosamente se esquivava: “Sim, Spassky me derrotou antes, mas aquelas partidas não eram importantes.”
Por outro lado, revela Kasparov: (...) por trás de Spassky estava toda a Escola Soviética de Xadrez: no limiar do match o Comitê de Esportes da URSS ordenou uma mobilização geral! Nossos Grandes Mestres conheciam bem Fischer, e foi decidido fazer pleno uso de sua experiência.
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Continua o autor russo: Eu acho que não era segredo para Fischer que os melhores experts estavam sendo arregimentados para ajudar Spassky em sua preparação. Reshevsky comentou certa feita: “Os russos sempre jogam como uma equipe”. Kasparov arremata: Não obstante, se Fischer soubesse que três ex-Campeões Mundiais e dois candidatos – Smyslov, Tal, Petrosian, Keres e Kortchnoi – haviam sido convocados para a batalha contra ele, provavelmente, teria ficado lisonjeado!
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Como de costume, a questão sobre o local do match provocou grande debate por causa da posição intransigente de Fischer: ou em Belgrado ou no continente americano. Spassky insistia em Reykjavik, ainda mais porque as condições financeiras eram sem precedentes para o xadrez: 125.000 dólares. Ao saber disso Keres exclamou: “Nessas condições dá para jogar no Pólo Norte!” Entretanto Fischer exigia um aumento da bolsa. Não dá para saber em que daria os muitos meses de negociações, se não tivesse sido demonstrado firmeza nos momentos críticos por parte do Presidente da FIDE: no início de maio, Max Euwe exerceu sua autoridade e escolheu Reykjavik, anunciando que o match se iniciaria em 2 de julho e ameaçando punir o desafiante pela ausência se ele não comparecesse.
A obra prossegue relatando todo o imbróglio que envolveu o cenário pré-match, com o comportamento arredio de Fischer e a contundente reação do lado soviético para com o impasse gerado pelo americano: O destino do match estava por um fio.
Fischer enfim voou para Reykjavik (...) Mas somente após o mecenas inglês James Slater dobrar o prêmio (o qual alcançou um quarto de milhão de dólares).
Sobre os episódios que antecederam o início do match, Kasparov defende a análise de Evans, na tentativa de explicar as razões do comportamento de Fischer: “Desde que Bobby se aproximou do topo do xadrez, um atípico medo da derrota, que anteriormente não existia, criou raízes no seu coração. Em Reykjavik ele conseguiu superar esse medo, somente após sentir que havia perturbado o equilíbrio emocional de Spassky.”
Realmente, Fischer como que declarara uma guerra psicológica ao adversário. E esse vacilou! Não há dúvida que, se Spassky tivesse deixado Reykjavik naquele momento, teria mantido seu título de Campeão. Afinal, tudo estava a seu favor. Mas Boris Vasilievich pensou: o match tem que ser jogado! E, ao contrário, da opinião de Botvinnik, o dinheiro não desempenhava um papel muito importante. O principal era que Spassky não se considerava o jogador mais forte do mundo. Foi por essa razão que ele se sentia obrigado a jogar com Fischer, para determinar definitivamente qual deles era o mais forte. Mas ao fazer concessões, ele deu ao adversário a vantagem psicológica.
O match então se inicia e, na sequência, Kasparov passa a analisá-lo, começando com a famosa primeira partida, na qual, num empate morto de final de bispos, Fischer incrivelmente captura um “peão envenenado” em h2 e acaba perdendo seu bispo e a partida, não sem antes lutar muito para salvar a posição.
E então aconteceu algo insólito: o norte-americano não apareceu para a segunda partida e recebeu o segundo zero... Fischer reclamou contra a filmagem das partidas, que estaria “afetando seus nervos e interferindo com seu pensamento.” (Com isso, apenas a oitava partida foi filmada secretamente, para demonstrar que a câmara operava em silêncio).
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Diz Kasparov: Ele [Fischer] estava disposto a continuar o match somente se a terceira partida fosse jogada em um ambiente fechado! Por dois dias o árbitro principal Lothar Schmid “viajou” entre as residências dos dois jogadores e, após demonstrar diplomacia miraculosa, conseguiu convencer Spassky a aceitar as exigências de Fischer. Esse foi um momento crítico no match, Spassky tinha que ter recusado. Bater os pés, e pronto! Eu acho que Fischer jogaria ainda que pelo público. Mas ele inteligentemente sentiu onde poderia pressionar. E parece-me que a derrota de Spassky foi em grande parte devido ao fato de ele ter perdido o duelo psicológico. Não foi tanto por Fischer ter mudado as condições do match, mas mais exatamente por ter quebrado Spassky. Ele começou ditando as condições do tabuleiro, e então nele também!
O match começou realmente a partir da terceira partida. E embora Spassky liderasse por dois pontos, Fischer tinha uma enorme vantagem psicológica a seu favor. (...) O Campeão rapidamente se deu conta de que havia cometido um erro irreparável ao ceder aos desejos do desafiante, e isso o desequilibrou. Nas oito partidas seguintes ele marcou somente 1(1/2) ponto! Isso era difícil de acreditar. Os lapsos inacreditáveis no jogo de Spassky levaram Botvinnik a falar sobre ‘trapaças da CIA’, e a delegação soviética até exigiu que a cadeira de Fischer fosse desmontada!
Na sequência Kasparov analisa a sexta partida da série, na qual Fischer, tomou a liderança (3(1/2) x 2(1/2)) e diz: Fischer considerou essa a melhor partida do match e realmente não há como reprová-lo. Ele converteu suas chances de forma impecável, o que não pode ser dito sobre Spassky. Não sem razão Evans colocou como manchete em sua reportagem no New York Post: “Bobby friamente brinca de gato e rato com Boris.”
Mais duas partidas são extensamente comentadas por Kasparov, a 10ª (considerada pelo autor russo a melhor partida do match), quando o escore chegou a 6(1/2) x 3(1/2) pró-Fischer, e a 13ª, onde Fischer surpreendeu com a Defesa Alekhine (1.e4 Cf6). Sobre essa última, Kasparov destacou: Uma partida memorável, uma daquelas que entram para a história. Não foi por acaso que Botvinnik a considerou a maior conquista de Fischer em Reykjavik. Muitos anos mais tarde Bronstein comentou: “De todo o match, eu considero a 13ª partida a mais bela. Possivelmente porque, mesmo hoje, quando eu a analiso pela enésima vez, ainda não consigo compreender as minúcias por trás desse ou daquele plano ou lance individual... Como uma esfinge misteriosa, ela ainda provoca a minha imaginação.”
Alguns breves comentários sobre as as cinco partidas seguintes são apresentados no livro de Kasparov, que depois faz uma análise exaustiva da 19ª partida. Essa partida viva e interessante foi a última grande batalha do match. Spassky desferiu alguns golpes espetaculares, mas não suficientemente fortes para abrir a defesa das pretas. Para outros provavelmente teriam sido suficientes, mas não para Fischer...
O match contou com mais dois jogos, sendo um empate e uma vitória de Fischer na 21ª partida. Ao vencer por antecipação com o resultado de 12(1/2)-8(1/2) (+7-3=11), Robert James Fischer se tornou o 11º rei do xadrez na história! [grifo do RC]. Dois dias depois, 3 de setembro, foi realizada a cerimônia de encerramento e o Presidente da FIDE o coroou com uma “coroa de louros” feita com folhas de bétula silvestre da Islândia.
Uma febre de xadrez, como a que ocorreu nos dois meses de verão do match em Reykjavic foi algo jamais experimentado na América! Fischer se tornou a personificação do sonho americano. Um garoto das classes sociais mais baixas abriu caminho para o mais alto reconhecimento público, ao conseguir, sozinho, derrubar os vários anos de hegemonia dos russos no xadrez. Isso foi um verdadeiro milagre!
“Será sempre lembrada, como se fosse ontem, a absoluta comoção, loucura e alegria dos dias do match, que tomou conta do país”, escreveu (...) o redator do New York Times.
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Fischer foi recebido como um herói nacional. Em homenagem a seu feito histórico, uma faixa foi então produzida com os dizeres: “Nova Iorque dá boas vindas a Fischer – o primeiro americano Campeão Mundial de xadrez”. O Prefeito da cidade, Sr. Lindsay, publicou uma lei segundo a qual o dia 22 de setembro de 1972 foi declarado “Bobby Fischer Day”. Um pôster gigantesco de boas vindas balançava sobre a Rua 72, uma orquestra tocava em frente ao paço municipal e uma multidão de muitos milhares gritava “Bobby, você é o maior!”
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